Novela da escritora colombiana ganhou a primeira edição do Prêmio de Novela Elisa Mújica, em 2018.
O ato de deixar a terra natal pode representar tanto a busca por novas experiências em diferentes ares quanto a fuga de uma realidade nem sempre desejada. Mas o ditado “nós saímos da cidade onde nascemos, mas a cidade onde nascemos não sai de nós” por diversas vezes se faz verdadeiro e o retorno acaba sendo inevitável.
Embora as origens clamem pelo regresso, inevitável também é o choque de realidade ao constatar que aquele lugar-berço já não é mais o mesmo. Sentir-se pessoa estrangeira no próprio lar e perceber que, assim como mudamos com o tempo, a influência dos acontecimentos externos contribui para a formação de novas características acatadas como típicas de um povo, resultando em sua ascensão ou declínio.
Em uma mistura de ficção e crônica, a escritora colombiana Cristina Bendek retrata a realidade de sua ilha natal e a cultura local ao narrar as descobertas sobre as origens de uma filha desgarrada da terra.
Ficção que evidencia a realidade
O indubitável tom de crítica social logo em um primeiro trabalho literário talvez se explique com a própria vivência da autora. Cristina Bendek nasceu em San Andrés (Colômbia), mas transitou entre Bogotá e Cidade do México durante treze anos. Graduou-se como profissional em Governo e Relações Internacionais e, em 2016, regressou à sua ilha natal para se dedicar à escrita, aliando o ofício aos trabalhos de empreendedorismo, jornalismo e crítica.
Pelo longo período de deslocamento, o choque em decorrência das perceptíveis mudanças no cenário tão conhecido da infância é uma consequência inevitável. A chegada da modernidade, a urbanização e a exploração do turismo ao vender uma imagem paradisíaca da ilha fazem um contraponto com a ruralidade, a cultura local e a identidade raizal da população de San Andrés.
A intensa percepção da realidade contraditória da ilha – o perfeito refúgio turístico caribenho que esconde a escravidão econômica e o descaso político perante o continente – é exposta na obra de Bendek, que relatou que sua novela de estreia tem muito de crônica, pois, apesar da ficção e da poesia contida em sua narrativa, retrata a realidade por ela percebida e, então, transformada em arte na forma literária.
Trabalho tão intimamente vivido e apresentado de modo a instigar reflexões acerca de questões políticas e sociais rendeu à jovem escritora, nascida em 1987, o Prêmio Nacional de Narrativas Elisa Mújica, promovido por Idartes e Laguna Libros (voltado exclusivamente a escritoras para promover a literatura feminina na Colômbia), em sua primeira edição no ano de 2018.
A busca pelas origens, o encontro com a nova realidade
Cristina Bendek presenteou a literatura do Caribe (e também a latino-americana) com a novela Os cristais do sal, obra que representa a realidade dos habitantes da ilha de San Andrés, tanto no quesito cultural quanto no âmbito social, econômico e político.
Ao narrar os passos de Victoria Baruq, a autora põe em foco a vida dos islenhos conhecidos como raizais, povo oriundo de uma miscelânea de etnias, do arquipélago e do continente, que acabaram por criar uma identidade própria, ao mesmo tempo em que não se sentem pertencentes a lugar algum, não se consideram provenientes de uma origem única. É a busca por tal origem que move os caminhos trilhados pela protagonista que, com o sentimento de não-pertença, deixa sua terra-mãe em busca de novos rumos, mas não escapa do magnetismo do seu berço.
Em meio a encontros e desencontros, achados e perdidos, o holofote é direcionado a outro ponto importante para a ilha caribenha que, com o passar do tempo, vê a chegada dos avanços da modernidade e a oportunidade no ramo do turismo. O que muito tem de promissor, pouco tem de retorno ao se deparar com a negligência do Estado para com os habitantes da ilha, a falta de infraestrutura para os residentes contrasta com o que é oferecido aos turistas. O choque de realidade decorrente da globalização não foge aos olhos da personagem do livro, assim como escancara a ferida da exploração encoberta pelos folhetos e fotos de belas praias.
Apesar de carregar o peso de uma nação, Bendek alivia o fardo com sua escrita que traz os elementos críticos da crônica e a leveza da poesia. A busca pela identidade através do resgate genealógico é o retrato de muitos filhos de uma terra a qual se sentem tão íntimos e, ainda assim, tão distantes. Essa característica, além de laurear a autora sanandresana, coloca o arquipélago em destaque na literatura nacional colombiana.
Os cristais do sal chega ao Brasil pela Editora Moinhos, no catálogo de lançamentos do primeiro semestre de 2021. Com tradução de Silvia Massimini Felix, o livro carrega uma premissa realista um tanto densa, sem abrir mão da suavidade dos eventos corriqueiros, atraindo os olhares para uma autora que ainda pode contribuir muito para a literatura latino-americana.
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