Pode a narrativa dar conta de uma vida? Em A única paz possível desde o útero é no cemitério, Marco Severo não busca uma resposta. Este romance, sua obra mais pessoal até aqui, é, sobretudo, uma investigação dessa possibilidade. O que faz com que nós nos tornemos quem nos tornamos? Quais eventos de uma vida acabamos por arrastar durante toda uma existência? Daquilo que nos acontece, quais são os fatos transformadores, os que são sustentáculos ou os responsáveis por um eventual desmoronamento?
Marco Severo volta o seu olhar para um acontecimento perturbador, numa reconstrução ficcional da memória através da qual o narrador procura, se não dar algum sentido ao que lhe aconteceu, trazer alguma lucidez para os caminhos escuros que percorreu involuntariamente e, assim, compreender não apenas o próprio percurso, mas apaziguá-lo dentro de si, evocando a máxima de Jean Paul Sartre de que “não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você”.
Num fluxo emocionante, o autor ultrapassa a autoficção e cria um romance multifacetado, uma espécie de quebra-cabeças em que o leitor vai colocando as peças, compondo o todo, tijolo por tijolo. A única paz possível desde o útero é no cemitério é a história daquilo que faz de nós quem somos e, assim, é também a história de nossas próprias vidas.
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