O livro de Laís Oliveira é um corpo que vibra palavras, mergulhos e abismos. É também um coração que se abre e bombeia ar – não um ar totalmente puro – em tempos de fascismo, fome e “…o horror/ nas asas de um urubu”, mas um ar que só a poesia enfrenta.
Por isso, as palavras que mais se repetem no livro são corpo e coração: a anatomia do corpo presente nos versos converte-se em anatomia de linguagem, e o coração é a própria válvula de ferro ou de carne que sustenta o ritmo, o peso, a pressa, as entranhas da vida e do poema. Para a escritora María Zambrano “o coração é a víscera mais nobre porque leva consigo a imagem de um espaço, de um dentro obscuro secreto e misterioso que, em algumas ocasiões, se abre”. É este o movimento que se passa com a poética de Laís, lampejos misteriosos que de repente se encerram, mas que por instantes nos abrem e dilaceram como nos versos: “nenhum homem pode esmagar/ uma bactéria com os dedos, / ninguém nunca viu o corpo/ das palavras mortas de amor”.
Encontrarás, leitor, neste livro, poemas de fôlego, com imagens primigênias que bailam entre a medicina, o cotidiano e as estrelas, e impressionam pela agudeza de escolhas de uma poeta que sabe manusear os dedos tanto para anatomizar corpos quanto para curá-los por meio de palavras e dos pensamentos que elas produzem.
Daniel Veneri
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