Inquieto, andava até o parapeito com pernas anestesiadas, passava ali alguns minutos de contemplação da avenida e depois voltava ao sofá. Os movimentos se repetiram até quando o sono me intimou à cama. Coberto no edredão, ouvindo de longe o som do televisor que tinha esquecido ligado nas notícias, sentia minha cabeça como um albergue de fantasmas. Cada um vagava em seu isolamento, murmurinhando coisas abafadas que me endoideciam. Queria morrer naquele dia. Esquematizada na minha lógica particular, a obrigação era tão sólida quanto um teorema. O suicídio não era só um sentimento corriqueiro nem era um clamor estulto por socorro; era algo de mais parecido com um músculo, com certeza o tecido mais firme que palpitava dentro do meu corpo mole. Essa fibra tremia dia e noite e eu tinha espasmos indômitos e cãibras terríveis. Talvez por ser tão exercitado pela morbidez dos meus desejos, o músculo suicida hipertrofiou e me saiu — macerou minhas margens e represas — e agora estava exposto, tamborilando como um coração de boi. Meu órgão batucava sem descanso, querendo morrer naquele dia.
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