Publicação

Entrevista com Safa Jubran

18 de junho de 2020

Safa, você pode falar, primeiramente, um pouco de você? E, além disso, contar pra gente quando e por quais motivos você começou a traduzir?

Cheguei com quase 20 ao Brasil vindo do Líbano, que ainda estava em guerra quase 20 anos, entrei na USP e continuei meus estudos de onde formei em Letras e depois fiz Mestrado e Doutorado em Linguística, mais especificamente em fonética e fonológica, durante o Mestrado ainda ingressei na USP como docente, onde leciono na área de língua e literatura árabes,  desde 1992, e onde atuo na graduação e, na pós graduação, como orientadora de trabalhos ligados à tradução.

Minha história com a tradução começou bem cedo e por acaso quando acabei ajudando uma professora que pesquisava textos medievais na tradução de manuscrito árabe de alquimia do século 9, demoramos quase 10 anos até a publicação. Comecei pelo mais difícil (traduzir manuscrito árabe da Idade Média), mas essa experiência foi uma escola para mim em todos os sentidos. A partir daí, as oportunidades foram aparecendo e apesar de traduzir vários tipos de textos, inclusive poesia, acabei me dedicando mais aos textos de prosa da literatura árabe moderna, ou contemporânea. É um ofício que gosto, que testa minha paciência e, onde, eu testo meus limites e limitações. 

Safa Jubran

No Brasil, não temos muitas pessoas que possam fazer traduções literárias direto do original árabe, você acha que existe alguma justificativa pra isso?

Não, ao contrário, existem várias pessoas capazes traduzem alguns acabaram se dedicando mais à literatura clássica, outros, mais especificamente à tradução de poesia, como por exemplo, os meus colegas da USP. No momento, há uma geração nova, alguns são ou foram meus alunos e orientandos na USP que pegaram gosto pela coisa estão se arriscando. São pessoas muito capazes e criativas. Acho que logo teremos uma geração de tradutores muito boa. Parece-me também que o mercado editorial atual está demonstrando um interesse maior e, consequentemente, outros nomes acabarão assinando traduções futuras. 

Quais são as maiores dificuldades de se traduzir do árabe para o português?

Embora essa pergunta seja recorrente, eu continuo refletindo muito antes de responder, para não entrar em detalhes muito específicos do ofício. Digamos que os desafios são muitos, a começar pelo imenso universo cultural que abarca o chamado Mundo Árabe, formado por mais de vinte países, estendendo-se ao longo de dois continentes de etnias, confissões, tradições diversas e unificados por uma língua que é a árabe padrão, mas que tem várias manifestações dialetais regionais. Enfim, os desafios se renovam e cada obra de autor, mudam de cara  a cada obra, no sentido  de buscar ou dar conta dos nuances, o que impõe que o tradutor tenha, ao lado do amplo conhecimento dos aspectos culturais,   um entendimento muito profundo das duas línguas, suas coloquialidades e também formas socialmente determinadas, algumas delas, no caso do árabe, exigem sua inclusão no texto traduzido, na forma original, para não correr o risco de cometer reduções no significado, o que pode levar ao apagamento de traços culturais importantes.  

O livro que chega agora ao Brasil, “Damas da lua”, de Jokha Alharthi, vencedor do The Man Booker Internarional Prize, te deu algum trabalho específico, algo em particular que você possa nos dizer?

Sim. Embora a narrativa tenha se utilizado a língua de uma forma simples, clara, singela – e por isso bela- os eventos, principalmente os referentes à formação polícia e social do Omã, exigiu de mim uma pesquisa para melhor compreensão.  As personagens neste romance se expressam em sua maioria por meio de um dialeto típico da região, de sotaque beduíno e que continua vocábulos de uso raro, ainda com relação a esse aspecto, o livro traz muitos provérbios, esses exigiram de mim muita “ginástica” e espero, não ter falhado em transportar a carga cultural e social que os provérbios trazem. Há também inserções de poemas clássicos, de citações religiosas, e de obras pertencentes ao patrimônio cultural árabe islâmico.

Você pode adquirir Damas da Lua em nossa livraria.

Qual a importância de se ter uma obra de uma escritora do Omã publicada no Brasil?

Este livro é importante por vários motivos, primeiro porque é uma belíssima história onde as mulheres são as protagonistas, que foram criadas por Jokha com maestria utilizando-se também de recursos narrativos criativos, tais como: a voz narrativa que alterna entre a terceira pessoa e a primeira, esta de um homem.

Em suma, poucos sabem que existe um país árabe, chamado Omã, que fica no Golfo Árabico, que teve uma história com o tráfico de escravos, e fortes e importantes ligações históricas com o império britânico, que agora é um sultanato, que ao longo de décadas vem se modernizando, que produz um boa literatura, que é escrita em árabe e que tem um escritora como Jokha, mas, que agora graças a Moinhos vão saber disso e poder apreciar mais uma exemplar da literatura árabe que é “Damas da Lua- uma pequeno volume conta uma grande história dos conflitos entre os seres humanos e dentro deles.

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